Após 48 anos, Justiça do Trabalho reconhece vínculo trabalhista de ex-mulher

Em uma decisão inédita, a Justiça do Trabalho reconheceu o vínculo de trabalho entre uma ex-mulher que atuou como secretária durante mais de 30 anos na clínica do seu, até então, marido. A decisão aconteceu no último dia 3 de abril e foi proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, assinada pelo desembargador relator Luis Augusto Federighi. O reconhecimento trabalhista aconteceu após 17 anos do divórcio e 48 anos depois do início da prestação de serviços.

A advogada do caso, Dra. Gabriela Roveri, destaca a importância dessa vitória e reconhecimento da justiça perante os direitos das mulheres. “É um caso emblemático de invisibilização do trabalho feminino no contexto de relações conjugais e familiares. Quantas esposas ajudam os seus maridos sem registro e remuneração? São milhares de mulheres que passam pelo que minha cliente passou. Quando vem o divórcio acabam ficando em dificuldades financeiras, porque dedicaram suas vidas a ajudar o parceiro. Essa sentença vai ajudar todas essas mulheres a terem seus direitos trabalhistas garantidos e reconhecidos”.

A cliente da Dra Gabriela Roveri, que teve seus direitos trabalhistas reconhecidos, tem hoje 74 anos, e trabalhou como secretária na clínica médica de seu marido por 31 anos, até que veio o divórcio. “O acórdão fundamentou-se na primazia da realidade sobre a forma (art. 9º e 3º da CLT), deixando claro que a relação matrimonial não anula os direitos decorrentes da relação de trabalho. A prova oral confirmou que a trabalhadora comparecia diariamente ao local, exercia funções de atendimento, organização e controle, inclusive utilizando uniforme e exercendo autoridade funcional sobre outras funcionárias contratadas posteriormente”, explica a advogada.

A decisão judicial determinou que o empregador faça a anotação do vínculo na Carteira Profissional da trabalhadora em prazo fixado, sob pena de multa diária por descumprimento. O reconhecimento envolveu a função de secretária com salário equivalente ao mínimo legal vigente à época. A Justiça do Trabalho reforçou que a prestação de serviços habituais, subordinados e onerosos, ainda que no contexto conjugal, caracteriza relação de emprego plena e não pode ser descaracterizada por fatores afetivos ou de informalidade familiar.

Com o reconhecimento do vínculo trabalhista, caberá agora ao INSS a análise para concessão de aposentadoria retroativa, considerando os 31 anos de trabalho reconhecidos oficialmente apenas agora. Aos 74 anos, a trabalhadora poderá ter até 12 anos de tempo de contribuição acrescidos em seu histórico previdenciário.

Além disso, a decisão judicial assegura a possibilidade de cobrança dos valores referentes ao FGTS do período, uma vez que, diferentemente dos salários — cujos créditos estão prescritos —, o prazo prescricional do FGTS começa a contar apenas a partir do reconhecimento do vínculo empregatício, o que ocorreu somente agora.

“Reconhecer o vínculo não é apenas aplicar a CLT. É romper com a lógica que naturaliza o apagamento da mulher como colaboradora e a mantém invisível como mera “ajudante do marido”, quando, na verdade, ela é e sempre foi trabalhadora”, finaliza a Dra. Gabriela Roveri.

Dra Gabriela Roveri - É advogada formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP e MBA em Digital Business pela Universidade de São Paulo. Tem mais de 30 anos de experiência na área do direito.